Stories.

as pseudo-escritoras

Duas raparigas que , ligadas por uma profunda amizade e por uma enorme paixão pela escrita, decidiram, involuntariamente, numa monótona e triste noite, escrever algo diferente, algo que as viciou. Algo que dura até hoje. Ana Campos & Nicole Morais (L)

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Capítulo VII (Parte I)

Aquele dia foi complicado de acabar, parecia que tudo tinha deixado de fazer sentido, e tudo pela súbita ideia de Nicole convidar Gustavo para se mudar para sua casa.
A questão não era ser ele a mudar-se, isso ela percebera. Mas o grande ponto da questão, era o facto de, assim que ambos tomassem essa decisão, seria ela a causa de toda uma mudança que se pudesse avizinhar.
Passaram alguns dias, e Nicole ficou intacta no lugar onde tinha ficado aquando da sua conversa com Gustavo. Mal dormiu durante esses dias, sempre agarrada ao telemóvel e perto do telefone, fosse o Gustavo dizer, finalmente, alguma coisa. Mas tudo sem efeito; Nicole não tinha nem uma única notícia desde aquele dia. Mas não se tinha ainda fartado de lhe mandar vários sms e de lhe telefonar. Pensou e repensou se teria errado de tal forma que tivesse de sofrer tanto com aquele silêncio perturbador de Gustavo.

O motivo do afastamento de Gustavo não fora, efectivamente, a proposta de Nicole; a caminho de casa, no carro, pensou em ir comprar-lhe flores e voltar ao apartamento dela. Contudo, algo o fez não voltar atrás. Assim que chegou ao prédio e, como por instinto, abriu a portinhola do correio do seu andar e viu, para além das contas habituais, uma outra carta.
Esta era diferente e ele não fazia ideia do que pudesse ser mas, ao ver o envelope, percebeu de imediato que se tratava de algo importante. Ao entrar em casa, e depois de atirar o casaco e as chaves para cima do sofá mais próximo da porta da sala, sentou-se em frente à televisão, mesmo com ela apagada, e tratou de abrir o envelope.
Depressa se apercebeu que era uma carta da Universidade Nova-Iorquina a que se tivera concorrido meses antes de conhecer Nicole. Tratava-se, portanto, da aceitação que Gustavo tanto esperava! Pelo menos, até à recente proposta de Nicole.
Pondo todas estas hipóteses em cima da mesa, Gustavo preferiu acompanhar-se de algumas garrafas de whisky, adormecendo profundamente no sofá. No dia seguinte, tal como nos outros que se seguiram a esse, tudo pareceu ficar ainda pior, ainda mais turvo.

Cada hora que passava, parecia passar sempre mais devagar, dentro de casa de Nicole. Esta não saiu uma única vez de casa, não atendeu telefonemas, faltou ao trabalho (...). Até que, depois de se levantar para tomar o banho que já andava a precisar, ocorre-lhe a ideia de ir a casa de Gustavo. Assim ele não podia fugir, isto é, se lhe abrisse a porta. Despachou-se a correr, como se fosse apanhar algum transporte, ou como se ele fosse fugir. Problema é que havia essa hipótese, só ela não o sabia.
Assim que chega ao prédio de Gustavo, toca à campainha. Ninguém atendeu. Até que saiu um senhor do prédio e a deixou entrar. Foi então que Nicole subiu até ao andar de Gustavo.

Gustavo, na dormência que se apoderara dele, ouviu, ao longe, o toque insistente da campainha: “Quem é o imbecil que não pára com esta barulheira?!” disse, puxando, num gesto lento, uma almofada para cima da sua cabeça. O toque, esse, parecia tornar-se ainda mais alto, ainda mais presente, como se dele troçasse.
Destroçado e furioso, numa combinação perfeita de força, ergueu-se do sofá e, com passos largos, alcançou a porta que, sem se dar ao trabalho de espreitar, abriu, com uma série de palavras debaixo da língua, prontas a serem proferidas. Qual o seu espanto quando, à sua frente, estava Nicole, pálida, com os olhos esbugalhados.
A sua raiva dissipou-se e as lágrimas estavam à beira de rolar pelo seu rosto; o momento que andava a evitar acabara de chegar.

N: Gustavo?! O que se passa? Que ar é esse? Não disseste nada durante estes dias todos porquê? Sabes o quanto me magoou essa atitude?! - Dizia Nicole, completamente chateada e, ao mesmo tempo, espantada pelo aspecto que Gustavo apresentava.
Gustavo não respondeu. Virou-lhe as costas, deixando a porta aberta, na expectativa que ela o seguisse para a sala. Nicole, após alguns segundos de reflexão, entrou e fechou a porta. Dirigiu-se à sala, onde encontrou Gustavo sentado no sofá, perdido entre os lençóis e as almofadas, as garrafas e os lenços.
Quando o fixou realmente, reparou que este lhe estendia um papel, uma carta, presumiu ela. Pestanejou fortemente, respirou fundo e permaneceu hirta. Só depois pegou na carta. Mesmo antes de Nicole acabar de ler a carta, Gustavo já escondera a cara entre os joelhos.
N: Foi por isto que não disseste nada? Onde está a tua coragem? Está aí deitada por entre essa lixeira em que te encontras?! Sinceramente, Gustavo, pensei que fosses homem suficiente para seres sincero comigo e me contares, em vez de te afundares nessa tristeza e nessa desgraça. - Nicole, desta vez, abandona o seu espanto, e dá lugar a uma desilusão. Não estava a acreditar que ele não tinha falado com ela mas, principalmente, que o ia perder por causa da proposta que este recebera.
G: Gustavo levanta a cabeça, num ápice, olhando incrédulo para Nicole. Falava rápido, como se tivesse treinado um discurso inúmeras vezes e, agora que tinha de o proferir, se tivera esquecido de tudo: “Que queres que te diga? Eu não sei! Eu recebi isso na tarde em que me fizeste a tal proposta… Eu não sei que fazer! Não sei, não sei, não sei!” Exclamou. Enquanto isto, acendera um cigarro. As suas mãos estavam trémulas, o seu olhar distante e o seu corpo quase imóvel.
N: Pára! - Grita Nicole, ao mesmo tempo que lhe arranca o cigarro da boca. Agora vais deixar essas dúvidas de lado, e vais falar comigo! Ou achas que não me deves, pelo menos, isso?!
G: O olhar distante tornou-se, imediatamente, num olhar fogoso, que ficava Nicole. Gustavo, com a sua voz forte, e num tom um pouco elevado, respondeu-lhe: “Devo, eu sei que devo! Mas queres que te diga o quê? Diz-me, porque eu não sei! Tens a noção que eu não sei qual será o meu futuro? Tens a noção do quão desorientado isso me deixa? Não tens, Nicole, não tens! Por isso, não me venhas pedir justificações, por favor!” desvia o olhar para a janela e, mecanicamente, acende outro cigarro. 
N: Tudo bem - diz Nicole, baixando a cabeça de descontentamento-, eu também não sou ninguém para te obrigar a nada e, muito menos, obrigar-te a decidir algo que só tu podes decidir. - Ao mesmo tempo que o diz, olha em redor e acaba por virar costas para a porta. Já estava tudo perdido, e nada que pudesse fazer. Agora só lhe restava dar tempo a Gustavo, para que este pudesse decidir o que achasse melhor.
Ao aperceber-se da reacção de Nicole, Gustavo agarra o braço dela e, firme mas suavemente, encosta-a contra o seu peito e, baixinho, diz-lhe ao ouvido: “Eu amo-te. Não vás, não vás agora”. A sua voz falha e, por momentos, apenas se ouve a respiração ofegante dele e o bater acelerado do coração dela.

Sem comentários:

Enviar um comentário